
DECIFRANDO
O REBAIXAMENTO DO SÃO PAULO EM 1990
Por Felipe Virolli

Sou pesquisador e historiador do
futebol brasileiro há bastante tempo e, sem dúvida alguma, este é o caso
polêmico mais difícil de ser explicado - que eu tenha conhecimento. Aliás,
todos os outros casos eu nem considero como polêmicos, pois a verdade dos
fatos nunca está escondida para quem procura entender o que, de fato,
aconteceu. Ou melhor, a verdade quase nunca está escondida, pois
quando nos referimos ao Campeonato Paulista de 1990 - no qual o São Paulo
futebol Clube supostamente foi rebaixado -, acredite, ela está escondida,
disfarçada, camuflada ou coisa parecida.
Muitos “especialistas” em futebol já analisaram o caso, e “todos”
parecem ter razão – tanto os que consideram que o São
Paulo foi rebaixado, quanto os que garantem que não foi.
Mas
calma aí, existe mais de uma verdade sobre um fato?
A
resposta é “não”. Embora possam existir diversas versões para um
mesmo fato, a verdade é sempre única. No entanto, conforme mencionei
anteriormente, esse caso específico do Campeonato Paulista de 1990 é
bastante complexo. E para comprovar a veracidade dos fatos, é preciso
analisar muito mais que simplesmente uma frase do regulamento do torneio
ou uma matéria de jornal.
Nesta reportagem vamos analisar tudo o que for possível e vasculhar os
arquivos do futebol em busca da verdade – principalmente num caso como
esse, em que ela está “escondida”.
Para entendermos todo o contexto e o que levou a Federação Paulista de Futebol (FPF) a fazer um regulamento pra lá de confuso em 1990, vamos voltar um pouco no tempo.
-
Campeonato Paulista de 1986:
O torneio contou
com a participação de 20 clubes e exatamente o mesmo regulamento do ano
anterior, ou seja:
-
A primeira fase em que os vinte clubes jogavam todos contra todos,
em turno e returno;
-
Cada turno tinha a contagem de pontos independente, e o primeiro
colocado de cada um deles classificava-se diretamente para as semifinais
– juntando-se aos outros dois times que acumularam mais pontos (na soma
dos turnos) durante a primeira fase.
-
Caso um mesmo time terminasse na primeira colocação nos dois
turnos, seria campeão estadual automaticamente – sem a necessidade da
disputa das fases semifinal e final.
Rebaixamento:
Os dois últimos colocados (que neste ano foram Comercial e Paulista) na
soma de pontos dos dois turnos foram rebaixados para a Segunda Divisão
(nome oficial da segunda divisão do futebol paulista), enquanto outros
dois clubes desta (Bandeirante e Noroeste) foram promovidos para a
Primeira Divisão de 1987.
-
Campeonato Paulista de 1987:
Aqui começa uma série de
“bagunças” no futebol paulista. Neste ano, a FPF “inventou” a
criação de uma divisão intermediária entre a Primeira Divisão
e a Segunda Divisão. O nome dela: Divisão Especial. Portanto, a
Primeira Divisão continuaria sendo a primeira divisão, mas a Divisão
Especial seria a segunda divisão e a Segunda Divisão passaria a ser a
terceira divisão.
Como
seria formada a Divisão Especial?
Segundo o jornal Folha de São
Paulo publicou em 1987, "a Divisão Especial (ou Intermediária)
deve ser implantada este ano. Ela será composta pelos quatro rebaixados
da Primeira Divisão e os escolhidos por torneio seletivo da Segunda”.
Ou seja, em 1987 a FPF já dava mostras de como pretendia agir para
reduzir o número dos participantes de determinadas divisões –
inclusive a primeira. E essa tal Divisão Especial foi mesmo criada
exatamente desta maneira, conforme apurou a Folha de São Paulo.
Comercial e Paulista, rebaixados na primeira divisão de 1986, conseguiram
vaga na Divisão Especial – pois se permanecessem na Segunda Divisão,
na prática estariam na terceira.
Vale ressaltar que os
clubes integrantes da Segunda Divisão que não conseguiram se classificar
na seletiva para a Divisão Especial acabaram, na prática, rebaixados
para a terceira divisão - afinal, a Segunda Divisão, a qual eles
pertenciam, tornou-se a legítima terceira divisão.
Para se ter uma idéia do
resultado dessa idéia mirabolante, em 1986 participaram da Segunda Divisão
(nome da verdadeira segunda divisão na época) 55 clubes. Com a criação
da Divisão Especial (nome oficial da verdadeira segunda divisão a partir
de 1987), o número foi reduzido a 28 equipes. Ou seja, mais de 30
clubes foram rebaixados da segunda para a terceira divisão de uma só vez.
Primeira
Divisão de 1987:
Nesta edição, o torneio começou
com apenas uma significativa diferença em relação ao regulamento dos
anos anteriores: Com a intenção de reduzir o número de participantes do
Campeonato Paulista seguinte (1988), a FPF aumentou para 4 - ao invés de
2 - o número de clubes rebaixados para a recém-criada Divisão Especial.
Durante o torneio, o
Corinthians fazia péssima campanha e, após 13 jogos do primeiro turno,
seu presidente, Vicente Matheus, declarou que o Corinthians não seria
rebaixado de jeito nenhum, mesmo que terminasse a competição entre os
quatro últimos colocados – cujo regulamento previa rebaixamento.

Embora
ninguém pudesse prever quem seriam os quatro rebaixados, fato é
que houve uma espécie de “virada-de-mesa” durante a competição.
Isso mesmo! A FPF alterou o regulamento do torneio em andamento, e o número
de clubes rebaixados voltou a
ser 2.
No final das contas, o Corinthians nem precisou dessa “ajuda”, pois se recuperou
no torneio e, mais do que isso, foi “campeão” do segundo turno, se classificando para as semifinais, onde eliminou o Santos em dois jogos – sendo um deles por goleada - e só perdeu
o título para o São Paulo na final – com derrota por 2 a 1 e empate por 0 a 0, respectivamente.
E o rebaixamento?
Ponte Preta e Bandeirante ficaram nas duas últimas colocações e foram rebaixados (para a Divisão Especial). Já o Novorizontino e o América se livraram, graças à mudança de regulamento durante o torneio.
Os dois clubes oficialmente rebaixados – Ponte Preta e Bandeirante – decidiram ir à Justiça, em busca de uma nova “virada-de-mesa”, que no caso poderia garantir a permanência de ambos na Primeira Divisão. Chegaram a obter vitória em primeira instância, mas no fim das contas, tiveram de se conformar com o rebaixamento.
- Campeonato Paulista de 1988:
Já com um regulamento diferente, em que dividia os 20 clubes aleatoriamente (basicamente de modo regional) em dois grupos com 10 equipes cada, o Paulistão de 1988 começou de uma maneira atípica.
Ponte Preta e Bandeirante, que haviam sido rebaixados no ano de 1987, teriam que disputar Divisão Especial - segunda divisão - do futebol paulista, mas ambos entraram na justiça comum e conseguiram uma liminar para serem incluídos na primeira divisão de 1988, que passaria a contar com 22 equipes.
Vários clubes boicotaram os dois times, não entrando em campo para jogar contra eles. A justiça desportiva acabou derrubando a liminar da justiça comum e retirou essas equipes que haviam sido rebaixadas no campeonato anterior – e o campeonato oficialmente passou a contar com 20 clubes.
Para piorar a situação de Ponte Preta e Bandeirante - além deles serem excluídos da Primeira Divisão de 1988 -, a Divisão Especial já estava em andamento e ambos só puderam
retornar a campo pelo torneio estadual na própria Divisão Especial - segunda divisão - em 1989.
Durante este período conturbado, para tentar acalmar os ânimos, a FPF estabeleceu que não haveria rebaixamento
para a Divisão Especial nos torneios seguintes (de 1988, 1989 e 1990).
Sendo assim, não houve rebaixamento para a Divisão Especial nesta edição.
- Campeonato Paulista de 1989:
Como não houve rebaixamento na edição anterior, o Paulistão de 1989 contou com a participação de 22 clubes – sendo que dois foram promovidos da Divisão Especial. Quanto ao regulamento, foi praticamente o mesmo do ano anterior – dois grupos de 11 clubes distribuídos basicamente de modo regional.
Também não houve rebaixamento para a Divisão Especial nesta edição, conforme prometera a FPF.
- Campeonato Paulista de 1990:
Ainda em Outubro de 1989, preocupada com o número cada vez mais alto de participantes no Campeonato Paulista da Primeira Divisão – seriam 24 na edição de 1990 -, a FPF resolveu agir maquiavelicamente – de maneira semelhante como quando criou a Divisão Especial - e decidiu não mais distribuir os clubes aleatoriamente/regionalmente, mas sim dividi-los em dois grupos (denominados inicialmente de A e B, respectivamente, conforme imagem abaixo).
Conforme noticiado pela Folha de São Paulo (imagem acima), o formato do torneio
– aparentemente apenas confuso - se confirmou. O Grupo I - e não mais Grupo A, como estava previsto -
foi mesmo formado pelos 12 times mais fortes – que participaram da segunda fase -
do campeonato anterior: São Paulo, São José, Corinthians, Bragantino, Palmeiras, Portuguesa, Guarani, Santos, Internacional de Limeira, Mogi Mirim, União São João e Novorizontino.
O grupo II – e não mais Grupo B, como estava previsto -
foi mesmo formado pelos times teoricamente “mais fracos”: XV de Piracicaba, Noroeste, Santo André, América, Catanduvense, Ferroviária, Juventus, Botafogo, XV de Jaú e São Bento (que terminaram do 13º ao 22º lugares em 1989),
mais Ituano e Ponte Preta, vindos da Divisão Especial (nome oficial da segunda divisão na época).
Note na imagem do jornal acima que essa fórmula
claramente visa privilegiar os melhores times - especialmente os do Grupo I, que
teoricamente são os mais fortes. Na primeira fase, 12 equipes garantem
vaga para a fase seguinte: os três primeiros de cada grupo e mais os
seis melhores na classificação geral. Se no Grupo I estão os clubes
mais fortes, mas a primeira fase é disputada "todos contra todos
dentro e fora do grupo de origem", era perfeitamente possível que
essas seis vagas restantes fossem preenchidas pelos clubes do Grupo I -
ficando o Grupo II com apenas três representantes.
Além disso, os clubes eliminados na primeira fase - tanto do Grupo
I quanto do grupo II - ainda teriam outra chance. Na repescagem ainda
seriam distribuídas mais duas vagas para a próxima fase. Ou seja, era
possível que, das 14 vagas para a próxima fase, 11 fossem garantidas por
clubes do Grupo I, que iniciou a competição com 12 equipes.
Essa formação de grupos - visando separar os melhores
dos piores times -, aliada a um regulamento que continuava prevendo não haver rebaixamento
para a Divisão Especial (ver imagem abaixo), foi mirabolantemente
desenvolvida para instituir, no ano seguinte, mais uma divisão
intermediária. Desta vez, entre a Primeira Divisão e a Divisão Especial.
É fato! O regulamento garante que não haverá, em 1990, descenso...
para a Divisão
Especial.
Vamos a outros trechos originais do regulamento oficial do Campeonato Paulista de 1990:
- Parágrafo 1º do artigo 5º – “Para o Campeonato da Primeira Divisão de Futebol Profissional de 1991, o Grupo I será constituído pelas 14 associações classificadas para disputar a quarta fase do Campeonato de 1990 e o Grupo II será constituído pelas dez associações restantes que não se classificaram para a quarta fase e mais quatro advindas da Divisão Especial de 1990”.
Neste parágrafo, o regulamento não fala nada sobre rebaixamento, mas sim que haverá
promoção de quatro clubes vindos da Divisão Especial.
Agora uma pergunta que não quer calar, mas que é
determinante para desvendarmos a verdadeira intenção da criação de um regulamento esdrúxulo como o daquele ano:
- Oras bolas, se a FPF entendia que o Campeonato Paulista da Primeira Divisão tinha um
número excessivo de clubes participantes, por qual motivo ela
aumentaria em 100% o número de equipes promovidas da Divisão Especial para a Primeira Divisão em 1990 – e ainda manteria sua postura de que não
haveria rebaixamento para a Divisão Especial?
A resposta:
Nada foi por acaso, caro leitor. Tudo isso fazia parte de um
plano mirabolante que culminaria com a instituição, no ano seguinte, de uma nova segunda divisão, ou seja, uma
divisão intermediária entre a Primeira Divisão e a Divisão Especial. E vale lembrar que esse
não foi um recurso inédito usado pela FPF, haja vista que, como pudemos analisar, foi instituída anteriormente a Divisão Especial como segunda divisão, que relegou a Segunda Divisão à condição de terceira divisão.
Isto posto, torna-se até óbvio que o Grupo II de 1991 passaria a ser, de fato, a segunda divisão – mesmo que seu nome oficial fosse mantido
como “Grupo II da Primeira Divisão”. A nomenclatura, como já vimos, pouco importa para a FPF – já que a Segunda Divisão era, de fato, a terceira.
Portanto, essa questão do nome da divisão é mera formalidade, como já
vimos e ainda veremos adiante.
Voltemos ao regulamento:
- Parágrafo 2º – “No campeonato da primeira divisão de futebol profissional de 1990,
não haverá descenso à divisão especial de futebol profissional. Mas
a partir de 1991, ou a cada ano, haverá o descenso de uma associação da Primeira Divisão de Futebol Profissional e o acesso de uma associação da Divisão Especial de Futebol
Profissional”
Neste parágrafo, conforme previsto: Não haverá rebaixamento para a Divisão Especial em
1990, mas sim a partir de 1991. Outro detalhe importante que devemos
lembrar é que, para o campeonato de 1990, foram promovidos quatro clubes
da Divisão Especial e, a partir de 1991, seria promovido apenas um -
enquanto outro seria rebaixado.
Estranha a atitude da FPF em promover quatro clubes num
ano em que não há rebaixamento, e no ano seguinte estabelecer a promoção
de apenas um clube, no lugar de outro - que seria rebaixado -, não é? Mas como eu já
adiantei, nada foi por acaso. Vamos tentar resumir:
A FPF dividiu os clubes para o campeonato da Primeira Divisão de 1990 em 2 grupos, de acordo com o índice técnico do campeonato anterior, que contava com 22
equipes - portanto, neste ponto ela já faz uma pré-seleção dos clubes,
para deixar os mais fortes no grupo que, a partir do ano seguinte, seria o
da primeira divisão. Com a ascensão de outros dois clubes advindos da Divisão Especial, a edição de 1990 contou com 24
clubes - obviamente, os clubes promovidos da segunda divisão foram
colocados no Grupo II.
O Grand Finale vem agora: Ao invés de manter o acesso de
duas equipes da Divisão Especial para a primeira Divisão, convencionou-se nas reuniões do Conselho Arbitral da FPF que aumentaria-se o número de equipes advindas da Divisão Especial,
para que o campeonato da Primeira Divisão de 1991 fosse dividido em
duas divisões, e contasse com um número par de equipes – o que facilitaria na hora de elaborar a tabela do torneio. Ou seja, se mantivesse o acesso de
apenas duas equipes ao final da competição em 1990, o torneio de 1991 teria
um total de 26 equipes, que divididas em dois grupos, formaria duas divisões
com 13 equipes cada. Com a promoção de quatro clubes, além de
inicialmente agradar a um número maior de filiados, a Primeira Divisão contaria com 28 clubes, divididos em dois grupos – na verdade divisões – de 14 equipes cada.
Portanto, estabeleceu-se que em 1991 o Grupo I da Primeira Divisão passaria a ser a legítima primeira divisão, e o Grupo II da primeira Divisão passaria a ser a legítima segunda divisão, relegando a Divisão Especial – que mudaria e realmente mudou de nome para Divisão Intermediária - à condição de terceira divisão, e a Segunda Divisão à condição de quarta divisão.
Confuso, não é mesmo? Mas é a verdade.
Voltando ao que aconteceu no Campeonato Paulista de 1990, podemos verificar ainda o resultado prático da tentativa “marota” da FPF
- que já abordamos anteriormente quando analisamos a fórmula de disputa do
campeonato, de acordo com a publicação da Folha de São Paulo de 26
de Outubro de 1989 - em dar vantagem aos principais clubes (do Grupo I), para que eles tivessem mais facilidade em se manterem na primeira divisão do próximo ano.
– Os 12 melhores clubes da edição de 1989 formaram o Grupo I de 1990. Destes, sete se classificaram na primeira fase –
o que automaticamente já
assegurou a permanência deles na primeira divisão do ano seguinte.
– No Grupo II, apenas cinco equipes classificaram-se para a fase seguinte do torneio de 1990 e
asseguraram vaga na primeira divisão de 1991.
– As outras duas vagas restantes (para completar exatamente 14 equipes para a próxima fase e para a primeira divisão do próximo ano) ainda seriam disputadas em uma espécie de
repescagem.
– Portanto, das 12 equipes do Grupo I, sete já
estavam garantidas na primeira divisão de 1991, com a possibilidade de esse número aumentar para
nove, caso os outros dois “repescados” tivessem disputado a primeira fase por este grupo.
Ou seja, se tudo acontecesse de acordo com a lógica, apenas três equipes que iniciaram o torneio de 1990 no Grupo I estariam rebaixadas para a nova segunda divisão em 1991 - obviamente sem direito a brigar pelo título, conforme já havia sido acordado no Conselho Arbitral.
- No final das contas, a repescagem
valeu a permanência de Guarani - que iniciou o torneio no Grupo I - e de
Botafogo - que iniciou o torneio no Grupo II -, resultando na permanência
de oito equipes do Grupo I e seis equipes do Grupo II na segunda fase
do Campeonato de 1990 e na primeira divisão de 1991. As demais
equipes eliminadas integrariam o Grupo II da Primeira Divisão de 1991 - que
na prática seria a nova segunda divisão -, juntamente às outras quatro
equipes advindas/promovidas da Divisão Especial - que na prática passaria
a ser a terceira divisão. Vale ressaltar que estas equipes - do Grupo II - não
disputariam o título em 1991, de acordo com o que fora estabelecido em
reunião do Conselho Arbitral. Restaria a estes clubes a disputa da
promoção para o Grupo I de 1992, para aí sim, voltarem a disputar o
título do Campeonato Paulista da Pimeira Divisão.
Sendo assim, por mais que renomados e conceituados jornalistas façam vídeos por aí para mostrar o regulamento, o assunto é muito mais complexo do que se parece, e vai muito além da frase “se a Divisão Especial é a verdadeira segunda divisão e
está escrito no regulamento que não há rebaixamento para a mesma, então o assunto está resolvido e não houve
descenso”.
Como vimos, o que o regulamento esconde é exatamente
a criação de uma divisão intermediária (que seria a legítima segunda divisão) entre a Primeira Divisão (a legítima primeira divisão) e a Divisão Especial (que passaria a ser a terceira divisão e a se chamar Divisão Intermediária), prevista para começar a ser disputada em 1991. E a parte mais maquiavélica de tudo isso é que o nome dela seria “Grupo II ou Série B da Primeira Divisão”.
É isso mesmo! A FPF, que criou uma divisão (a Divisão Especial) entre a Primeira Divisão e a Segunda Divisão – conforme abordamos no início desta matéria -, estava prestes a criar uma nova – e legítima – segunda divisão dentro da chamada Primeira Divisão.
Todo esse "malabarismo" e cuidado era para a FPF não ter problemas na justiça e para não interferir no destino dos clubes participantes do Campeonato Brasileiro – a CBF só permitia clubes de “Primeira Divisão” no Campeonato Brasileiro.
Ainda de acordo com o regulamento, conforme já mencionado com relação ao que definiu o Conselho Arbitral, o mesmo
não previa cruzamento entre os Grupos I e II em 1991. Pelo contrário. Citava que os clubes jogariam dentro de seus grupos, de maneira separada. Ou seja,
não era a mesma regra estabelecida para o campeonato de 1990, em que todos acabavam jogando contra
todos - dentro e fora de seus grupos.
- Da Repescagem – “Doze clubes eliminados da primeira fase serão divididos em dois grupos e jogarão em turno e returno. Dentro de cada grupo, os times jogarão entre si, em turno e returno. Apenas os campeões de cada grupo disputarão a segunda fase, enquanto
os demais clubes estarão fora da disputa do título, e jogarão em um grupo separado dos catorze melhores colocados
no campeonato do ano seguinte”.
Note que o regulamento “marotamente” destaca que “os demais clubes estão fora da disputa do título” (não era mais fácil apenas dizer que estavam eliminados do referido torneio?) e na sequência complementa que “jogarão de maneira separada dos demais clubes do outro grupo no ano seguinte”. Além disso, não menciona nada referente a qualquer tipo de cruzamento com equipes do outro
grupo.
Por incrível que pareça, embora o documento não especificasse como o título de campeão paulista do ano seguinte seria
definido - embora já estivesse acordado pelo Conselhon Arbitral que a
disputa seria por pontos corridos e que realmente não haveria qualquer tipo
de cruzamento entre os grupos -, essa parte do regulamento camuflava e escondia o truque para a criação uma “nova segunda divisão” – da mesma forma que foi criada a Divisão Especial, anos antes. E todos os clubes da Primeira Divisão estavam cientes disso.
Inclusive, conforme já mencionado exaustivamente, não é segredo para ninguém que o Conselho Arbitral
decidira que apenas os 14 primeiros colocados de 1990 disputariam o título de 1991.
Todo esse regulamento “maluco” – ou nem tão maluco assim - inventado para o campeonato de 1990 tinha
o único objetivo de criar essa segunda divisão dentro da Primeira Divisão e, com isso, desinchar o campeonato.
Foi uma verdadeira obra maquiavélica da FPF para deixar o campeonato estadual com apenas 14 clubes na primeira divisão, rebaixando outros 10, cujos seus dirigentes certamente a aplaudiram e a aclamaram quando aceitaram esse regulamento. Muitos desses dirigentes, talvez, nem sabiam o que liam e o que aprovavam: a própria queda de divisão, que marcou a história de 10 clubes de uma só vez, incluindo
a do São Paulo Futebol Clube.
Aliás, não foram apenas os dirigentes que não perceberam o regulamento. A esmagadora maioria da imprensa demorou a se dar conta, durante a repescagem, de que o destino de 10 clubes já seria fora da elite no ano seguinte, conforme mostram as imagens abaixo.
A partir do momento que se tornou iminente - e
posteriormente confirmado - o rebaixamento do São Paulo, seus dirigentes passaram a pressionar a FPF para que incluísse no regulamento de 1991 um cruzamento entre os clubes do Grupo II (segunda divisão) com os do Grupo I (primeira divisão).
A princípio, a FPF demonstrou-se irredutível quanto
ao assunto. Entretanto, no fim das contas, acabou cedendo às
pressões, realizou uma "manobra nos bastidores" e permitiu que
os clubes rebaixados para essa "nova" segunda divisão pudessem
disputar o título em 1991. Com essa alteração do que estava previsto para o regulamento de 1991, tecnicamente não podemos considerar que o São Paulo disputou
a segunda divisão – afinal, disputou e faturou o título de campeão paulista ainda no mesmo ano, como queriam seus dirigentes -, mas de fato,
não há dúvidas de que foi rebaixado em 1990 junto com outros nove clubes.
E quem imagina que depois dessa tentativa frustrada a FPF desistiu de desinflar o Campeonato Paulista, está muito enganado.
Do campeonato de 1993 para o de 1994 foram rebaixados nada mais, nada menos do que 14
clubes, mas desta feita sem aviso prévio. E a FPF utilizou exatamente do mesmo expediente que estava previsto para
1991, ou seja, com a criação de uma divisão intermediária entre a Primeira Divisão e a Divisão
Especial. E com os mesmos truques jurídicos e nomenclaturas pretendidas na época, haja vista que a segunda divisão do futebol paulista passou a se chamar oficialmente de Série A-2 – exatamente a mesma coisa que o “Grupo II da Série A ou da Primeira Divisão - do Campeonato Paulista.E a primeira divisão que conhecemos hoje passou a se chamar Série A-1.
Em 1994 participaram da “nova” segunda divisão, batizada de Série A-2 , os 14 clubes rebaixados da primeira divisão e outros dois clubes advindos da até então Divisão Especial – que já se chamava Divisão Intermediária e passou a se chamar oficialmente de Série A-3 -, que passou a ser a terceira divisão, conforme estava previsto para 1991. Já a Segunda Divisão, que na verdade é a quarta divisão, passou a se chamar oficialmente de Série B-1. Ou seja,
ainda hoje, para a FPF, até a terceira divisão (Série A-3) é tudo Primeira
Divisão, fruto de todos esses regulamentos “malucos” que acompanhamos nessa reportagem. Portanto,
qualquer semelhança com o que estava previsto para 1991 NÃO É mera coincidência.
Enfim, o assunto é complicado, de difícil análise, mas para se dar um
veredicto sobre o assunto, é necessário entender todo o contexto do Campeonato Paulista – inclusive das divisões inferiores, de anos anteriores e posteriores – para decifrar as intenções da FPF em cada edição do torneio no período mencionado. Respeito as boas intenções de outros colegas jornalistas – muito mais famosos que eu -, mas espero ter sido claro quanto ao assunto principal desse post, que é
o rebaixamento do São Paulo Futebol Clube no Campeonato Paulista de
1990, que como pudemos analisar, de fato aconteceu.
Clique aqui
ou na imagem para ampliar.
Observação: A Folha de São Paulo foi o
veículo de comunicação que demorou menos tempo para entender os
"truques" do esdrúxulo regulamento, mas outras publicações -
que demoraram a admitir que o regulamento previa o rebaixamento -, como O Estado de S. Paulo
e Placar, também foram exaustivamente vasculhadas.
Além disso, o próprio Almanaque do São Paulo, de Alexandre da
Costa, confirma: O São Paulo foi rebaixado no Campeonato Paulista de 1990
e, se não fosse uma "manobra nos bastidores", não poderia
disputar o título em 1991.
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